quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Nosso amor, ecologicamente correto.

O mundo está em crise, meu bem. O mundo não espera. Vamos, nós, no uníssono passo de nossas pernas, tentar preservar o futuro dos filhos que estão por vir. Vamos dividir o chuveiro em constantes banhos conjuntos para economizar água. Eu prometo matar a sede da tua boca com o frescor da minha saliva. Exijo saciar a minha com doses diárias de amor e suor feliz. Veja bem, querido, o que será de nossos filhos se não fizermos isso? Você aceitaria que o fruto da tua carne passasse um dia sedento e remelento sem água por aí? Creio que não. Por isso eu te peço, por maior sacrifício que seja, salve o mundo comigo! Vamos apagar a luz mais cedo e nos descobrir no tato da escuridão. E nas noites iluminadas de lua, deixa eu conferir se é tudo certo, se é de vida feita a tua pele, se é de cor teu coração. Desliga essa televisão e vem viver comigo a nossa novela. Esquece esses filmes de ação. Eu posso te dar a adrenalina das telas. Vamos, amor, vem comigo. As crianças precisam comer. Vamos esquecer os enlatados, os congelados, os fritados (perdoe o neologismo pela licença poética de rimar). Plantemos nossa horta com cuidado e paixão. Nós podemos. Podemos nos alimentar do nosso amor. Cultivemos o pomar do quintal. Vamos brincar de se achar entre as macieiras depois de nos perdermos entre as amoeiras. E vamos criar animais e não vamos nunca comê-los. Sei que você odiaria ter a pele arrancada e a carne ali, entre os dentes inocentes de uma boca ignorante de coisas boas. Só peço isso, meu bem. Entenda, é um amor altruísta esse nosso. Vamos lá, é pelo bem dos guris. É pelo bem deles, amor.

domingo, 4 de janeiro de 2009

o que pode ser real. - 2

É o mesmo anjo que, todos os dias, me acorda com um sopro na nuca. Aquele anjo que briga comigo pra que eu coma direito. Um anjo que, quando eu conheci, não teve magia, nem diferença, nem necessidade. Foi anjo que me construiu, nesse amor maluco e verdade. O anjo que eu conquistei, pela certeza de que esse momento ia existir. Não diferente, nem criado, nem montado. A pureza desse dia, eu já tinha no meu peito. Talvez eu o tenha conquistado por querer viver esses momentos. Talvez eu tenha me enganado e tenha desejado os momentos para estar em companhia do anjo. Não sei. Não conheço o momento sem o anjo, o anjo fora do momento. Sinfonia uníssona de perfeição. Impávido abraço de feliz. Um anjo só pode ter nome de anjo. Meu anjo. Releio esse momento mentalmente e lembro da narração que fiz a mim mesma há uns meses atrás. Queria ler meu futuro, mas acabei por escrevê-lo. E cá estou nas minhas palavras. Eu, com o que desejei e com tudo mais que o anjo mágico me surpreendeu nesses sete meses. O prazer é tão pleno que nem sei o que é mais feliz. Se é ele lembrar de mim, até quando quer me esquecer. Se é saber meus gostos e ter a maravilha de me mostrar isso a cada sonho de dia. É ele conhecer meus pedaços, meus traços. Narrar nossos amassos... Com olhos de criança, com luz diamante. E saber os detalhes, que botão foi arrancado. Que trapo caiu. Reservo-me um minuto pra sorrir.
É por discutir comigo e terminar rindo de mim. É por não agüentar me ver sofrer. É por ter um cheiro inconfundível de cinco da manhã de primavera. É pelo gosto de nuvem branca que esconde na boca. É por sair da minha casa sem falar comigo e jogar um bilhete que diz “vem aqui fora, que eu tô querendo te beijar”. E eu saio. Entre lágrimas de amor e risos de violência, ele me beija. E sem sons, sabemos que o amor nos congela ali. Nosso amor construído. Sem diferenças. Sem grandes gestos. Um amor diário. Um amor de recíproco. Um amor que ele não sabia que ia ter. Que eu já tinha na cabeça antes de conhecê-lo. Um amor de amar minhas manias. Um amor de entender meus bicos. E ver beleza em lágrimas por filmes. Um amor que admira meu instinto revolucionário e que não se importa com as minhas filosofias de aviões. Um amor de curar loucuras. Um amor por língua presa. A língua presa dele. Presa à minha.

(Sim... Ainda vou lembrar da narrativa desse dia. Na vivência, ele está sendo bem melhor que os arrepios que senti na minha cadeira ao imaginá-lo).

A gente ri da noite passada. Nós dois aumentando o calor com o calor do corpo. Uma garrafa de tequila pelo amor no México... Enquanto ele vira a cabeça de gargalhar, eu fito seu som, sua cor. Quando se sente desacompanhado em seu ato, me aperta contra o peito. Diz no vento pra chegar a mim: “Sinto a sua falta de rir comigo. Nem penso em não te ter. O que foi?”... Meu vento leva pra ele: “Amo tua boca sorrindo. Amo teus pedaços em mim. Amo tudo”. Afasto a minha cabeça do coração, embebedo meus cabelos e passo a língua no seu gosto. Nada mais se diz naquela janela de luz. Somos um só. E cada um. A nossa solidão não me incomoda. Amo nos fazer companhia. Basta o um que somos. Não há solidão com dois.


7 meses.
05/01/2008

o que pode ser real.

Estou na praia. Não tem quase ninguém. Sentada na cadeira de óculos escuros, só vejo o sol subindo no céu e o vendedor de côco passando a minha frente com um cachorro ao lado. Sem vontade alguma de me mexer, eu acendo um cigarro. Movimento apenas o antebraço apoiado na cadeira. E lentamente, repito esse ritual mais algumas vezes. Sei que eu não estou sozinha, mas a paz que me toma é tão grande, que espreguiço a mente antes de pensar em quem me acompanha. E, nisso, já me pego pensando na temperatura gostosa da água e em como seria magnífico se eu pudesse estar deste mesmo jeito, dentro dela. Lembro não mais que de repente, que estou sentada em frente à casa que velou meu sono durante a noite. Cheguei aqui ontem e não posso dizer que minha memória seja tão astuta ao ponto de saber exatamente o que fiz ontem para estar tão relaxada. E esquecida. Sei, de novo, que não estou sozinha. Mas não me atenho aos detalhes. A companhia do mar me basta no momento. O sol resolve me espiar de frente. Nesse amor platônico que mantemos um pelo outro, só me interessa a luz. Nada a retribuir, a não ser a minha imagem. Um vento frio a noroeste me distrai. Só fecho os olhos pra viver. Quanto momento há nessa magia. O calor. O calor do sol. O aconchego dos pés mergulhados na areia. O encaixe macio dos óculos no rosto. A inércia, que dota o corpo de inexistência. Eu não existo nesse ambiente. E isso é um gozo à vida. Não estou sozinha. Mas que me importa outra massa, se a minha flutua? Adoro o sentimento do invisível. Quero mergulhar meu cabelo no sal do mar. Ah! Por que a onda não vem me pegar? Pouparia a mexida do pé. Pouparia a mudança do cenário perfeito. Tô com preguiça de pensar. O céu bem que podia pensar por mim. Mas ele está ocupado demais me abraçando de azul. Uma mão molhada me toca. Letárgica demais pra me assustar. Nem sujeito das minhas orações eu quero ser. Penso em abrir o olho de soslaio... Mas me vem à cabeça a divertida pronúncia da palavra soslaio e todas as formas que ela pode se encaixar num dizer. Ameaço um sorriso. A vontade de gargalhar não é obedecida pelo cérebro. E me acometo da mão na minha mão. A luz do sol a me cegar e eu a abrir os olhos. Quem ousa me tirar do meu nirvana astral? Um anjo de asas vermelhas me sorri. Sim, eu o amo por ter me acordado. A sua paz celestial me arrepia a perna. Em transe com a natureza, me deixo ser conduzida por ele. Nem sinto o esforço do levantar. Ele ri do meu silêncio. Eu rio pra ele. Sim! Achei minha felicidade. Nada além de umas folhas que dão côco a balançar. Umas conchas entre os dedos que caminham. A música das ondas molhadas na areia. A areia molhada de mar. Meu sonho real. Na preguiça de pensar, eu pensei o anjo. O gelo da água nas canelas me desperta. A ousadia do anjo me intimida. E me excita. Absorta em meus pensamentos malignos, sou tomada por uma asa, que me abraça e me voa pro céu. O anjo não diz. Muita preguiça me impede de falar. Será que ele pode ler meus pensamentos? Se, maluca, deve pensar. Mas me carrega mesmo assim. Seria uma tentativa de me salvar? E dele, quem pode? Uma frase cala meus questionamentos. “Eu amo te ver dormir ao sol”, sibila o anjo nos meus lábios. Um hálito de amor me invade sem licença. O anjo me ama. E me ama ao sol. E ama o meu dormir. O anjo não me é novidade. Ahhhh! Quero abrir os olhos pra saber, quando ele me foi inédito. Anjo malandro. O prazer dos olhos fechados em seu pescoço adia o contato. Anjo macio. Anjo maluco. Anjo, por si só. Anjo meu. Será que posso ser amante de um anjo? Em comunhão com a adrenalina do meu estômago, eu conheço o anjo.