terça-feira, 30 de setembro de 2008

culpada.

Eu sou culpada. Culpada por todos os momentos que me privei de passar com você. Culpada por não ter seus olhos pertinentes pesando na minha carne. Eu assumo, a culpa é minha. A culpa é minha por essa saudade gelada invadir meu sono. É minha a culpa pelas três únicas cartas de amor entre as páginas dos meus dias. Por não ver suas cores de mim no peito. Por não sentir seu cheiro inconfundível de 5 da manhã. Por não sentir o gosto inebriante de nuvem no céu da boca. A culpa é minha por ter te traído em portas de banheiro. A culpa é toda minha por ter te culpado dos meus pecados. Por ter te usado como desculpa-máscara pra pecar sem me confessar. Por ter te usado. Por ter te feito culpado. É minha, só minha. A culpa pelas palavras ferozes, pelas reprovações desmedidas, pelas sentenças contidas, pelos olhos fechados e calados. Pelas suas madrugadas acordado. Eu sou a responsável pela sua blusa desbotada quase sem cheiro de tanto lavada. Por você odiar tudo que me lembra você. Pelo gosto amargo do fel na sua garganta. Pelas juras, promessas e esconjúrios. Pelas maldições. Pelas tradições (e traições). Pelas pegadas na escada. Culpada por seu peito cheio não ter preenchido o meu vazio. Pelas suas ilusões. Pela boca seca.
Sou eu a culpada dessa culpa. Desse arrependimento. Dessa certeza.
É minha e só minha. E não é minha a culpa pela sua felicidade. Por toda a felicidade que um dia você quis me dar e que um dia vai ter. Eu não a mereço. Eu não te mereço. Sou réu confessa do seu penar. Eu sou culpada.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Crença.

Há uma certa magia instrínseca nos dias. Quando tudo nasce, ali, no pós-caos da estrela, há pó de magia-vagalume-beleza. Em todos os acontecimentos, em todos os pedaços, por trás da barra da saia, embaixo das pernas, tá escondidinho. Na comunhão das formigas com o açúcar do bolo, dos olhos com a perdição do infinito, da minha mão com a sua, tem um toque de varinha de condão. Na eucaristia da vontade de ver com o medo de enxergar, da preguiça de andar com a benção do sol, ali, na sombra da varanda, eu sei que tem algo a mais. É a tradução dos seus pensamentos em palavras. É o reflexo dos meus olhos nos seus com maré de poesia. É tudo que de fantástico acontece quando eu vejo que o sol raiou com você do meu lado. É a certeza que eu tenho de que você abre todas as minhas portas. É a cólera diária que precede a nossa calmaria noturna. São os segredos de pé de ouvido. Eu não te escondo. Você me exibe. Com aquele sabor de orgulho que só as nossas palavras têm. Droga, esqueci o despertador ligado. Você não se importa em acordar e me ver. É isso que me faz acreditar em fé e energia. É o sublime ressonar de um miado de bichano do meu lado. É aquele poder que só você tem. É aquela delícia que só você guarda. É por isso que eu acredito em magia e duvido todos os dias de tristeza.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

um.

Um novo. Uma ausência de olhar. Uma presença de pensamento. Um toque. Um cheiro. Uma dúvida.
Uma boca. Um sabor. Um gosto. Um tal de medo. Um beijar. Lamber um. Fechar os olhos. Um. Sentimento. Saudade. Uma. Vontade de congelar. Um momento. O...
Um carro, um banco, um público, uma sintonia. Uma sinfonia. Um dado, um fato, uma distância. Um destino que não sabe o que faz. Uma muita sapiência. Uma vez. Uma presa no eixo. Um levado pela estrada. Um nós dois. Um mês.

Carajás.

Entre árvores, há passos leves que sussurram folhas.
O sol gera frio nas sombras.
São as folhas que sombreiam pelo sol.
E nada queima. E tudo flui.
As risadas são barulhentas no silêncio.
É o lirismo das tocas dos coelhos.
É a magia do contato. É não sentir fome de felicidade. É o que a terra nos instiga. É o cheiro do mato.
Na comunhão de todas as coisas com coisa alguma, brota o desejo de ver o tempo passar.
Talvez os três elementos de algumas florestas sejam as folhas, o conforto do sol e o mistério das sombras.
Nunca foi tão bom deitar no chão...

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Manias - II

Eu vejo palavras no silêncio. Considero o sono perda de tempo, mas a ausência dele me perde no mundo. Sim, minhas orgias gastronômicas estão em caviar. Sacio fome com prazer. Hipocondria me acalma. Tem certas dores que eu gosto de sentir. Tenho pavor de sentir medo. Não sou fã de receber carinho, mas adoro fazer cafuné. Açúcar não faz parte da minha vida. Meu violento instinto de defesa macula a minha essência. Caço desesperadamente a suavidade. Ser intensa demais me impede de achar. Minha bipolaridade me entrega. E me diverte. Só tiro o salto pra subir na cama. Vodka me transforma em glamour. De dia, queria estar sempre ao sol. Mas à noite, estou sempre na rua.

Manias - I

Eu vejo cores em momentos. Prefiro pensar a falar. A gramática me acompanha. A impotência me domina. Bolsas caras me fazem companhia. Blusas velhas passeiam comigo. Eu adoro cheiro de mofo. Tutti-frutti me irrita no som e no gosto. Minha generosidade me incomoda. Gelo é excitante. Celular me transmite seguramça. Madrugadas me brozeiam mais que sol. O escuro tem magia e brilha. O dia também. Cigarro fede e faz parte de mim. Sou viciada em cheiros. A morte me intriga. Peixes me entediam. Bebo água em copos de plástico. Prefiro cerveja a refrigerante. Drogas me fascinam. Submundos me atraem. A felicidade me assusta. Não tolero cabelo escovado. Não moro na praia. Se pudesse, passavao dia no mar.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Ode ao prazer.

Pinga.
Pinga aqui no meu copinho.
Sua lágrima salgada de ardor.
Deita.
Deita aqui no meu colinho.
O seu corpo lambuzado de torpor.
Chora.
Chora aqui no meu ombrinho.
Eu posso te curar com meu amor.
Enrosca.
Seu pequeno pescocinho.
No meu peito moreno de calor.
Cola.
Cola aqui o seu rostinho.
Na minha faca afiada de suor.
Suga.
Suga todo esse carinho.
Com seu hálito abafado de horror.
Vem.
Vem cadente, vem suado. Come o meu dobrado, me deita de lado, me joga no telhado e me faz esquecer Conta, assim, sem chiado, o que eu tenho que lembrar. Conta aqui baixinho no meu ouvido. Conta pra mim que eu sou mulher.

(Me joga na parede e me chama de lagartixa. Who knows?)

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Eu-lírico (ou a saga de Clarice e Marise)

Com 13 anos:

Clarice: Ai, Marise, você é tudo o que eu desejo ser.
Marise: É, e eu faço tudo o que você quer também. Uso as melhores roupas, sou mais le-gal, apesar do band-aid na testa.

Com 15 anos:

Marise: Ei, Clarice, acorda, querida. A vida taí ó, do seu ladinho e você desperdiçando o tempo em camas de hospital. Levanta logo.
Clarice: Ah, me deixa dormir. Isso tudo tá doendo demais.
Marise sai de férias.

Com 18 anos:

Clarice: Ei, Marise, eu sei que você tava de férias mas acho que você tá exagerando na dose. Me deixa voltar.
Marise estava "alta" demais pra responder. Fechou a porta e deixou a Clarice pra fora.

Com 20 anos:

Clarice: Marise, você vai sair?
Marise: Vou! E prometo me divertir por você.
Marise saía. Clarice quase sempre ficava em casa.

Com 21:

Marise: Cla, você tá trabalhando demais.
Clarice: Quero férias.
Marise: Ah, eu quero praia-sol-mar-breja-e-amigas. Tem como dar errado?
Clarice: Não! Me leva com você?

E ao longo dos anos elas se fizeram companhia e se odiaram. Elas vão viajar juntas pra Itacaré. Elas vão se tornar uma só.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Quando ela decidiu

Ela tem tanto medo. E tem medo do que pode ser. Senta na calçada e pensa porque não tem palavras a menos ditas ao vento. Ressente momentos de silêncio. Ressente momentos de mais nada. Acende um cigarro e aquela labareda intensa que queima o ar frio. Nesse conflito libertador, recrimina as risadas ecoantes que insiste em dividir. Aqueles olhares irônicos, aquelas pernas cadentes. Enxuga as lágrimas. Pensa que podia ser assim, bem mais ou menos, café com leite, mamão com açúcar. Por que nasceu decidida a ser radiante? Quer mesmo sentir pela metade, quer férias daquela intensa magia maculadora. O torpor daquele momento adormece seus pés. Não há nada que possa expurgar aqueles pensamentos? "Pensamento que vem de fora e pensa que vem de dentro. Pensamento que expectora o que no meu peito penso. Pensamento a mil por hora, tormento a todo momento...". Não! Ela se impede de pensar. A calçada já é áspera com sua angústia. Nem pra se repudiar ela consegue ser uma mulher amena. Aquela busca, aquele anseio, ela tem medo do que se transformou. Foi ali naquela esquina que ela decidiu. Quando o mundo dividiu-se em seus dois pedaços, ela descobriu que preferia ter sido amada do que ter alguém. Ela escolheu naquela tal encruzilhada que preferia morrer de amor do que de conforto. Ela sabia que preferia amar do que ter companhia. Ali, naquela calçada gelada, do lado certo, da vida errada, ela descobriu que não queria ser nada. Ela decidiu ser um furacão.

Duvida?

Tem uma dúvida que me assola há vários dias.
Será possível afogar uma pessoa com um conta-gotas?