quarta-feira, 30 de julho de 2008

Gotas.

Tinha os pés no chão, mas a sandália preta de verniz trançada no tornozelo dava o ar de flutuação que lhe era peculiar em dias noturnos. Amava a noite, mas morria de medo do escuro. Sentada, era acompanhada de um copo vazio de whisky e do cigarro interminável que alternava entre as mãos. Aquela cena era repetida e, ao pensar nisso, um vento gelado tomava conta do seu peito sem licença. Sentia falta de um hálito quente e palavras raivosas. Sentia falta de colo e silêncio de ninar. Ela se sentia sozinha. A busca incessante a violentava, mas não tinha mais o controle. Não sabia mais como parar. O som de sua risada ecoante parecia calar os pensamentos e temores que assombravam sua vontade de esquecer. Valia-se desse recurso em curtos intervalos na fuga do não pensar. Não doíam as pernas, a cabeça, a alma. Ela doía. Mas os pensamentos invasivos teimavam em não abandoná-la. Então, cantava. Usava cada palavra pra si e relembrava os hinos que um dia embalaram suas lágrimas. Ela fugia. E sabia do que. E não sabia pra onde. Imagens turvas e diabólicas cerravam seus olhos involuntariamente. Ela só queria não lembrar. Pensava nos tantos momentos em que desejou esquecer de tudo na ânsia de recomeçar. Não queria mais doer, não queria mais sentir. Algumas vozes se aproximavam do que ela queria ouvir. Mas palavra nenhuma tinha o som de acalmar que lhe era vital. No desequilíbrio que o álcool mesclava com os degraus, ela dançava. E mexia seu corpo na tentativa frustrada de se imacular. Na tentativa de adquirir novas formas, novas marcas, novos pedaços. Na tentativa de mudar a composição da matéria. Daquele pó espalhado, se desejava matéria unida. A menção da mesma voz dizendo tudo o que um dia teve o poder de desejar ser ouvido era assombrosa. Então, falava. Contava da felicidade que queria ter, das magias que queria ver e de todos os outros momentos que eram seus, mas não lhe pertenciam. A consciência solitária dessa farsa a fazia perder o ar. E ela doía. Chamava olhares com seus movimentos, implorava com a alma por ser desejada, olhada, querida. Mas qualquer aproximação despertava todo o temor e a raiva guardados em seu ventre. Mas queria ser entendida. Rogava por algum entendimento da sua dor. Repudiava a pena. Ela mesma não entendia o doer. Tinha medo e era isso que ainda dava a sensação de vida. Laçava o medo em suas pernas e se atinha a ele por querer viver. Aprendeu a conviver com a dor. As máculas a transformaram e mutaram seus trejeitos. Ela não sabia se gostava. Só se ensinou a conviver consigo mesma. E doía. O peito já não era mais ôco. As memórias não tão recorrentes já estavam esquecidas. Aquela ausência a ensurdecia num grito de saudade. Amar já não era mais normal. Encheu o copo e acendeu mais um cigarro. Naquela noite sem estrelas, gotas de felicidade doíam mais que suas tempestades de tristeza.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Ms

"Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu..." - Chico sempre tem toda razão. Mas não interessa como nos sentimos, o dever chama e temos que acordar, ver um céu azul e trabalhar. Produzir é o real prazer dessa arte? Talvez. Mas as peculiaridades de um ambiente são o que sempre o tornam interessante. Em meio a baias, portas que só se abrem com o passe mágico de um cartão, um chão que treme com meus passos pesados e umas garrafinhas de água que, juro, têm um gosto horrível de plástico, as minhas horas na Thomson (não ThomPson) Reuters (que sim, se fala roiters) são deliciosas pela presença dos Ms. Um M ao lado. Um M longe. Hei de admitir que ambos, sim, ambos foram muito difícies de conquistar. Mas ah... o exercício da conquista é sempre excitante. Toda vez que eu me sinto como que morrida, dilacerada, eu levanto com a certeza de que vai ter alguém do meu lado que sempre se admira com as minhas perguntas (não por serem instigantes, mas por serem óbvias), mas que sempre me ensina tudo com a maior paciência do mundo. Que me emprestava R$3,25 pro cigarro quando eu não tinha nem R$0,01, que divide o molho da salada comigo, que me abraça quando me vê chorar, que tem lapsos súbitos de amor por mim, mas sempre que pode, me repudia porque sabe que assim vou amá-lo mais e mais. Ele gosta de coca quente (ou será pepsi?), tem umas idéias malucas que eu sempre tento demover, chama o Chico de bicha toda vez que eu insisto em fazê-lo ouvir uma música no final do dia e tem uma visão pessimista das coisas bem oposta a minha. Mas ele colore os meus dias. Faz magia das nossas horas e torna toda a convivência em momentos quentinhos de bolo quente com café. Ele me faz querer ser melhor e trabalha meu lado mais altruísta.
Tem um M lááaa longe que dia desses eu descobri que não tinha ido tanto com a minha cara assim. Mas fui ler em seu blog um post sobre a Gi e tinha um comentário falando que as amizades dela sempre começam com esse ar de "não-fui-com-a-tua-cara". Sinceramente, não sei quando começou a ir, mas hoje é uma coisa de bonds e música que faz feliz e acalma o coração. Ela me dá uma segurança de estar ali do outro lado, da certeza de que eu posso chorar só 5 minutinhos no elevador, de segredar coisas no corredor e de palavras soltas, de cabelos ao vento e mãos coloridas, que me remetem ao melhor que eu já fui e ao melhor que posso ser. Com ela, de fato, o mundo é uma cápsula quentinha e feliz.
Eles me fazem voar e eu adoro a sensação dos meus pés fora do chão.
Mi e Max, vocês me fazem querer ser melhor. Vocês são o vale a pena de todo dia.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Guerra.

Ás vezes tendo a achar que a vida é uma encruzilhada sem fim. Os passos se seguem, os pés caminham e cá estou eu, de volta às mesmas indagações já feitas, sofridas e odiadas. Repudio a idéia de talvez aceitar que a guerra dos sexos realmente existe e que, mesmo a contragosto, eu faço parte de um dos lados da batalha. A recorrente frase "as mulheres são todas iguais" tem um poder fulminante de me tirar do sério. As mulheres não são iguais. São únicas. E, sim, diferentes. Nós analisamos, pensamos e sempre treinamos nossos atos para que os falhos e reflexos não se repitam. E eles não se repetem. Mas a conclusão clara e fácil é de que não adianta, eles podem não se repetir nunca mais, os outros combatentes sempre vão vir com armas letais e perniciosas para desarmar a nossa estratégia. O mundo é sim cruel. Injusto nos dias mais injustos e talvez com os corações mais molinhos. A sensação de nunca saber ao certo o que fazer é angustiante. Faltar o ar, perder o chão e cair mais uma vez. O coração estúpido parece não aprender. Aprende, até. Mas esquece tudo de novo no minuto seguinte. Quase como a memória relâmpago dos peixes. Conclue-se, por conseguinte, que se as mulheres são todas iguais, os homens são todos diferentes.

"AS MÃES E AS GUERRAS
Se dependesse das mães,não haveria querra!Mas as filhas preferem os soldados..."
Mario Quintana

Mas não há como saber se os soldados são inimigos ou aliados sem entrar em guerra com eles.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Amar - I

Qualquer coisa feita com a alma do coração, cores, memórias olfativas, músicas que dóem, risos sonoros, deixar, ceder, dividir o último pedaço do prato, último pensamento antes de dormir, primeiro pensamento do dia, ponto final. Não dormir, não cansar, cansar, cansar muito, enjoar, arrependimento, clausura, pecado, alimento, vazio, profundo, inapetência. Deitar em pé, sentar em pé, ficar de pé. Pé com pé. Gostar de frio. Importar, esquecer, mundo, mudo, mudar, sensação, cheiro de bolo de maçã, histórias, palavras, silêncio. Sentir saudade e gostar. Sentir saudade e doer. Doer de saudade. Lágrimas evaporadas, sopros, vento nos cabelos, imagens, areia fofa, abdicar, sorriso perdido de lembrança. Perder-se. Encontrar. Metade, metade inteira. Difícil, felicidade, dúvida, insegurança, criança, filhotes, morango com creme de leite. Azul, 1, pão de queijo e guaraná. Cozinha, sala, quarto, banheiro e chão. Paredes. Saudade ao lado, falta de 5 minutos, segredos públicos, cura, alento, aventura, filhos. Manhã de sábado, chocolate quente, sopa de letrinhas. 2. Pensar, pensar, pensar, esquecer. Mãos dadas, grama verde, madrugada, café. Acordar cedo pra fazer a vitamina de banana. Desejo, travesseiro, sonhar, maçã verde, bolo quente, fumaça. Começo. Estrada. Santo. Normal.