quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A-b-c-dário

H

Tinha o nome bem feio. A figura também. Mas me chamava de boneca de porcelana e certa vez socou um muro por mim. Foi a grande salvação em momentos de angústia. Disse palavras doces à sua maneira e vez em quando surge. Ensinou coisas de carne e me beijou em frente a igrejas. Quando eu preciso de colo, é o refúgio mais seguro. Eu quebrei seu coração.

B - 1

Tinha gosto de mar. Tinha sabor de areia. Foi a coisa mais fulminante que esse peito já sentiu. Fazia planos de Londres. Falava de filosofia. Quando eu esbravejava à distância, me calava calmamente com um "eu te amo". Invadiu meu peito sem licença. Reprovou meus atos infantis. A vida nos separou como deveria ser.

E

Era uma coisa de pele. Um cheiro, uma língua, dois corpos e o mundo. Tinha vontade de mim. A gente se untava com ungüento. A amizade ainda bate forte em nossos peitos.

L

Éramos um e dois e muitos. Éramos imã. Éramos pernas, escadas, saliva e perdão. Éramos música, bateria e violão. Tínhamos pouco tempo. Éramos mudança, anseio e cigarros. Éramos ensaio, luz e platéia. Éramos tanto que doía. Fomos lágrima e medo. Fomos nossos. Éramos demais um pro outro.

D

Nós nos amávamos em Shakespeare. O amor já existia, só esperou por nós. Ele me amava com olhos, desejo e admiração. Ele não acreditava em me ter e se boicotou. Ele, sem saber, maculou um pedaço do meu coração. Fez meu peito de palco pra uma platéia sem palmas. E me amou todos os dias que eu precisei. E me buscou, me quis, me pediu pra mim. A mutação do amor fluiu. Somos felizes com a certeza de que nossos paralelos vão se encontrar no infinito.

L

Tinha um mundo inventado por medo de rejeição. Eu o amei mesmo depois da farsa. Ele quis me dar uma casa, um filho e amor. Nossos sonhos se perdiam em cigarros. Foi minha primeira luta. Num bar vazio, uma amiga, bacardi e a insistência. Ele quis gritar ao mundo! Meus temores apagaram essa memória antes dela existir. Restou um anel e a certeza do meu primeiro (e até hoje único) arrependimento. Eu devia ter fugido com ele.

B - 2

Foi minha maior busca. Foi meu maior erro. Foi a minha grande frustração. Foi eu perdida num céu claro sem estrelas. Tudo era tão óbvio. Tudo ali, a meus olhos, ao alcance do nariz. O entendimento de felicidade inventada. A compreensão de que momentos bons podem ser mera conseqüência de uma convivência. Ele roubou um ano da minha vida. Arrancou do meu peito o que havia de melhor. E me transformou no que sou hoje.

R

Foi tudo de melhor que podia ser. Via em mim o frescor de uma vida nova e excitante. Via em mim sua salvação. E se ateve a meus braços, roupas e sentidos. E agarrou minhas pernas. E teve medo de me perder. Pesou seu corpo no meu e caiu. Eu estava muitos passos a frente. Sem a queda, poderíamos ter sido felizes por mais tempo.

P

Dizia no meu ouvido tudo o que eu queria ouvir, mas tinha medo de escutar. Eu estava com as portas fechadas. Com as janelas trancadas. Eu tive medo. Eu tive medo de gostar de novo. Eu perdi. Perdi discussões, perdi sorrisos, perdi o gosto forte do café com o cigarro. Perdi um peito-travesseiro. E decidi abrir minhas portas pra nunca mais perder o que poderia ter tido. Ele ainda ronda meus sonhos e telefonemas. Ele ronda minha rua embriagado de madrugada.

D

Eu tentei ter o coração aberto. Tentei destrancar as janelas e deixar as portas entreabertas. Ele tinha os dedos afiados nos meus quadris. Tinha os olhos atentos a seu medo e buscou motivos, enquanto eu me permitia. Mas eu só tinha um buraco no peito. E ele uma faca. Tranquei as janelas, cerrei as portas e joguei as chaves fora.

2 comentários:

leo disse...

e pq vc nao fugiu comigo???

A czarina das quinquilharias disse...

muito bom muitobom
(tmb adoro o nome do blogue mas isso já disse pela via expressa, no?)